É sexta-feira, perto das oito horas da noite. Estou no meu bar preferido para meu tradicional happy hour.
Ao chegar, o gerente, que também é meu amigo, perguntou se eu estava treinando ou algo assim, porque eu estava vermelho. Eu tinha acabado de sair do meu treino de tênis de mesa, esporte que pratiquei muito quando era mais jovem, mas que agora me lembra que apesar de não parecer, a idade tem sua maneira sutíl de evidenciar desgastes.
Tive a felicidade de ver que o Mello, um artista que toca blues e country, estava se apresentando naquela noite.
Sentei-me em uma mesa alta, em um canto entre o salão interior e as mesas que ficam do lado de fora. Estava chovendo um pouco e ficar naquele lugar ajudou a amenizar o calor, ao mesmo tempo que eu não me molharia ao ficar assistindo o show.
Quando vou sozinho, gosto de ficar um pouco afastado da movimentação. É meu momento de curtir uma boa música e apreciar uma das melhores cervejas que já experimentei pelo mundo.
Também é dia de pedir um Dolly Bacon, um hambúrguer icônico e nada amigável para quem segue uma vida fitness. Mas o importante é ser feliz, e é sobre isso que vou escrever hoje: sobre como aprendi a ser feliz.
Na mesa ao lado, havia uma garota linda, de cabelos longos e negros, como se a luz não conseguisse alcançar os fios. Sua pele era branca e jovem, tão clara que estátuas de mármore ficariam espantadas. Descobri depois que ela estava com anemia. De qualquer forma, essa tonalidade ajudava a evidenciar as tatuagens espalhadas pelo corpo, o que a deixava patologicamente maravilhosa.
Lembrei que, na semana que vem, tenho mais uma sessão marcada para tatuar meu braço direito.
A música e a cerveja cativaram novamente minha atenção.
De vez em quando, alguns garçons e garçonetes vinham falar comigo. Como vou muito a esse lugar, todos me conhecem e puxam um assunto qualquer. Um deles comentou sobre como a chuva da tarde tinha atrapalhado um pouco a programação, já que molhou algumas mesas que estavam desprotegidas e os obrigou a resolver rapidamente fazendo uma espécie de puxadinho por cima das mesas.
Outros me contaram como tiveram sorte de não precisar entrar para o quartel. Lembrei que faz praticamente vinte anos que vivi esse momento.
Enquanto essas pequenas interações aconteciam, recordei a pergunta que minha terapeuta me fez em uma das sessões. Apesar de ser um questionamento clichê, que já havia surgido no início de nossos encontros, ela queria avaliar se minhas crenças fundamentais ainda permaneciam intactas.
A pergunta era mais ou menos assim: “Para você, o que é ser feliz?”
Demorei uns dois minutos para responder, mas a resposta é muito simples: ser feliz é conseguir aproveitar a realidade e encontrar nela alegria, beleza e significado, não importa como ela seja.
Eu poderia aprofundar mais aqui, mas acredito que a resposta para uma pergunta tão profunda deve ser simples. Isso porque costumamos esquecer de responder esse tipo de questão com nossa própria voz, ou melhor, com nosso próprio protagonismo.
É fácil buscar uma citação de alguém distante da nossa realidade e adotá-la como verdade absoluta, como se se encaixasse perfeitamente em qualquer situação. “A felicidade só é verdadeira quando compartilhada”, disse o desconhecido que morreu porque comeu umas frutinhas envenenadas. Se mais alguém estivesse com ele, a chance de ele convencer a outra pessoa a comer as frutinhas seria grande. Felicidade compartilhada, morte também.
Pergunte a qualquer criança o que significa ser feliz, e ela te dará uma resposta muito mais simples e carregada de significado do que qualquer filosofia complexa. Para uma criança, a felicidade é muito mais tangível.
Mas, quando adultos, somos inundados por obrigações, responsabilidades e problemas que parecem extinguir nossa capacidade de enxergar que ser feliz é uma escolha.
Estamos sempre à mercê de coisas incontroláveis que afetam nossa percepção do que é felicidade. No entanto, por mais que os eventos mais tenebrosos que você ou eu já vivemos mostrem que é possível visitar lugares obscuros dentro de nossas mentes, sempre teremos a chance de resignificá-los depois da tormenta.
Entender que eventos terríveis podem acontecer simplesmente por estarmos vivos nos coloca em uma posição muito favorável.
É claro que racionalizar de antemão não impede que sintamos tristeza, raiva, angústia, decepção ou até sentimentos depressivos. Mas pode pavimentar o caminho para a construção da felicidade e para a apreciação da realidade como ela é.
A realidade também nos proporciona eventos incríveis, e parece que damos menos importância a eles.
Assim como a frase do filme pode fazer sentido para muitas pessoas, para mim, não funciona. Acredito que somente eu sou capaz de definir todos os requisitos da minha felicidade, independentemente de serem baseados em livros, filosofias, religião, experiências de vida ou qualquer outra coisa. E, ainda assim, esses mesmos requisitos podem mudar ao longo do tempo.
Dito isso, desejo veementemente que eu não precise colocar minha capacidade de ser feliz sempre à prova. Mas, se precisar, que seja.