A última década
Era aproximadamente sete horas da noite quando sentei perto da janela para observar o pôr do sol e tomar meu café antes de ir para a aula de circo. Como de costume, no verão, o sol se põe quase que em uma tangente à parede da minha sala, fazendo com que a sombra das bordas da janela formem uma espécie de paralelogramo no início da tarde e um trapézio isóceles no final do dia.
No final de semana, alguns amigos vieram me ajudar a arrumar a disposição dos móveis para deixar a sala mais interessante para receber visitas.
Antes, uma poltrona ficava atrás do sofá principal e se alguém do sofá quisesse conversar com quem estivesse na poltrona, precisaria contorcer o pescoço como uma pessoa possuída.
Ao aproveitar o cafézinho, lembrei de como os anos anteriores foram interessantes e ainda, lembrei de como meu primeiro ano morando sozinho, em uma cidade do interior, tinha sido bastante diferente do que eu estou vivendo agora.
Foi logo depois de eu voltar do doutorado. O lugar que eu aluguei era simples, e a porta do banheiro tinha uma “fresta” de uns trinta centímetros na parte inferior. Tipo porta de banheiro público.
Mesmo assim, lembro de estar bem feliz na época.
Tentei buscar nos álbus de foto online alguma que mostrasse a diferença da minha moradia, mas o que eu encontrei foi bem mais interessante.
Busquei ainda mais longe, uns dez anos atrás, para ver como estava minha vida em cada janeiro e fevereiro, desde 2015. Tive uma bela surpresa ao ser inundado com memórias muito boas.
2015
Foi o ano em que a Josi e o Gui casaram. Eu já morava na França por causa do meu doutorado, mas vim ao Brasil para prestigiar a data e ser padrinho. Acho legal que as pessoas me chamam para padrinho mas eu sou o pior exemplo possível. Este ano foi o aniversário de dez anos e eu não fui no jantar de comemoração. Mas eu os amo.
É notável que meu rosto estava muito mais roliço. Acho que foi uma das piores épocas de cuidado da minha saúde. Hoje continuo assim.
Logo depois eu fui pra Praga, na República Tcheca, participar de um congresso de Educação Matemática, onde pude apresentar minha pesquisa e conhecer as principais referências na minha área.
2016
Eu estava absurdamente apaixonado nessa época. Também foi a primeira vez que comi em um restaurante com uma estrela Michelin. Foi meus padrinhos adotados que me convidaram para ir ao restaurante. No dia também estavam meus irmãos de república.
No doutorado eu morei, na maior parte do tempo, com mais três pessoas em uma grande casa no centro de Lyon. Duas delas, sempre foram fixas.
Também foi por volta dessa época que fiz minha primeira viagem à Itália. Um mochilão com minha amiga irmã, Katiane, que rendeu umas boas histórias e muitas dívidas.
2017
Tive mais um congresso para ir em Dublin, na Irlanda. Foi nessa viagem que fiquei encantado pelo país. Se tornaria um frequente destino das minhas viagens e espero voltar em breve.
2018
Foi o ano de defesa do meu doutorado. No final de 2018 eu defendi minha tese. No início daquele ano, meus pais foram me visitar. Foi a primeira viagem internacional deles.
Também foi o ano em que eu esquiei pela primeira vez. Bom, eu tentei esquiar, mas meu controle dos membros inferiores fez com que eu ficasse mais deitado na neve do que praticando o esporte.
Os pais dos meus amigos, que me convidaram para o rolê, ficaram com pena de mim e me pagaram um curso de iniciação.
2019
Eu já havia voltado ao Brasil. Sem emprego e sem perspectiva de um, acampei por um tempo na casa da minha mãe. Logo algumas oportunidades começaram a surgir e eu aceitei todas que apareceram.
Nessa época, voltei a dar aulas em uma escola especializada em tecnologia para crianças e adolescentes.
2020
Eu estava namorando minha futura ex esposa nessa época. Era época da sua formatura e eu estava me preparando para pedir demissão de um emprego que tinha na cidade do interior.
Estava prestes a começar meu pós-doutorado, mas não imaginaria o que aconteceria com o mundo dois meses depois. Também recebi a vista de dois amigos de Lyon.
Possivelmente eu serei ofendido por causa dessa foto.
2021
A pandemia deixou marcas. Foi o período em que deixei meu cabelo crescer por mais tempo, por não ter a necessidade de ir a um cabeleireiro na época.
2022
Eu já estava no meu emprego atual. E também com um emprego secundário como professor na faculdade. Isso possibilitou que nos mudássemos para um apartamento muito melhor do que vivemos durante a pandemia.
Também foi quando consegui comprar meu PS5 e jogar Elden Ring, o jogo mais perfeito já desenvolvido.
2023
Fui promovido.
2024
Foi um ano desafiador em que muitas coisas boas aconteceram. No início do ano eu não imaginava os desafios que me encontrariam nos próximos meses. Mas em janeiro e fevereiro, eu estava convicto de que retomaria minha vida mais saudável, pelo menos com treinos mais regulares.
2025
E aqui estou eu. Sentado na poltrona da minha sala, observando o pôr do sol e tomando meu café, lembrando desses muitos anos que foram muito importantes para transformar a minha vida.
A jornada até aqui tem sido, no mínimo, interessante.
Simples e preciso. Obrigado por dividir isso, Pedro. Sucesso!