Outro dia fui no aniversário da minha tia. Oitenta e seis anos. Faltam só quatorze pra bater um século. Fiquei pensando: quanta coisa cabe dentro da cabeça dela? Quantas fases da vida, quantas mudanças no mundo. Pra eu chegar lá, preciso viver de novo tudo o que já vivi e ainda mais um pouco.
Vi uma frase de alguma série que dizia algo do tipo: E se já estivermos vivendo os anos que no futuro vamos considerar como os bons e velhos tempos?
Depois que a gente cresce, o tempo parece acelerar. Quando eu era criança, os dias eram infinitos. Chegava a noite e ela também demorava passar. Era um desperdício de vida porque exisitiam tantas brincadeiras que poderiam continuar no lado de fora, mas o tal do Sereno estava a espreita para atacar crianças desavisadas pelos seus pais.
Reza a lenda que crianças afligidas pelo Sereno não iam pra escola no dia seguinte por causa de uma doença ocasionada por tal terrível lenda.
Exercitando minha introspecção ao encostar minha cabeça na janela do ônibus na minha última viagem de volta pra casa pensei: E se existisse uma maneira de contar o tempo de vida que nos resta? Costumaos contar o tempo em anos, mas e se fizessemos em semanas? (Vi isso em um vídeo, na verdade, mas me pareceu mais interessante dizer que pensei em um devaneio filosófico)
Quando pensamos em termos de longevidade da população, podemos considerar que nossa esperança de vida seja por volta de oitenta anos. Isso quer dizer que teremos aproximadamente quatro mil semanas de vida. É isso. Quatro mil quadradinhos verdes que começam a se apagar um por um.
Resolvi olhar pra minha própria linha do tempo. Acho que comecei a me lembrar da vida e a me reconhecer como “eu” lá pelos oito anos. Mas tenho flashes de antes. Tipo quando aprendi a ler com quatro anos. Lembro da palavra “ESCOLA” escrita em maiúscula num livro ou num apagador. Se era mesmo assim? Não sei. Mas é o que ficou.
Também lembro da primeira cirurgia, aos dez. Foi quando percebi que já era um indivíduo separado do resto do mundo. Só que, nessa época, não tinha escolha nenhuma. Nem dinheiro, nem noção de sonho. Eu nem sabia sonhar. — Pausa aqui para a autocrítica: pareceu meio dramático e triste coitadinho, mas o que quis dizer é que os sonhos eram intangíveis tipo: sonhava em ser o power ranger azul.
Mais tarde, realizei alguns sonhos de moleque. No fim do ensino médio, aos dezesseis, já parecia que a vida estava andando. Dei até uma pausa de dois anos na faculdade pra tentar ser atleta profissional de tênis de mesa. Foi ousado e alegre, e perturbador para meus pais.
Na faculdade — cor de rosa na minha linha do tempo — comecei a ter escolhas de verdade. Meu sonho era ser doutor, ter um doutorado. Mas queria conquistar antes dos trinta, porque todos os doutores que eu conhecia eram velhos e tristes. Eu queria ser triste mais jovem.
O doutorado me deu duas coisas: o título e a chance de conhecer o mundo. Estudando na França, acabei rodando uns vinte países por causa da pesquisa. Entre especialização, mestrado, doutorado e pós-doc, foram dez anos. Dez anos vivendo semanas cheias: novas pessoas, novas habilidades, dinheiro gasto como se fosse meu (mesmo quando não era).
Depois do pós-doc, larguei o sonho de ser professor e fui pra indústria. Hoje estou nesse ponto azul da minha linha do tempo: trabalho com algo que eu amo e que me permite realizar outros sonhos. Mas não quero que a rotina devore o que resta das minhas semanas sem que eu perceba.
Marquei alguns pontinhos pretos: meu apê, meu carro, viagens que sonhei a vida inteira. É curioso ver assim, porque percebo que se tivesse corrido mais pra conquistar certas coisas, o resultado seria praticamente o mesmo. Só teria menos semanas pela frente pra aproveitar.
Algumas escolhas não são definitivas. Trancar a faculdade pra ser atleta, por exemplo, não mudou o desfecho da minha vida. A gente também pode “desescolher” de vez em quando.
Apesar de compartilhar esse texto contigo, é mais um exercício pessoal para aprecisar os momentos que ainda virão e que, com alguma sorte, demorarão para se esgotar. Mas, se eu pudesse dar um conselho, principalmente para quem ainda está “começando” na ampulheta da vida seria algo do tipo:
Aprenda a dançar pelo menos um dois dois que vai te salvar horrores por ter nascido feio.